sábado, 8 de maio de 2010

2000 - 2003 (piu meno)

A poetácia a seguir (17 – 41) foi escrita entre os anos 2000 e 2003, uma época bastante niilista de minha vida. Muitas das frases de então, hoje renego e recuso, pois as palavras não são apenas ar entre as cordas vocais ou traços mal paridos, moldam futuro. Renego! Mas lá estão, no caderno de espiral.

17
Ah, insuportável barulho do silêncio!
Outrora encantadora melodia.
Ao longe um assobio estridulante
(um chamado exasperado quiçá)
Um motor discreto ainda mais pra lá

Um zumbido contínuo
(como no ouvido de quem sempre ouve)
Mais ao longe, ainda, pequenas explosões.
De longe só ruídos.
De longe o som grave
da cidade robusta e cinza.
Mais de longe, o vento
se arrasta manhoso.
De longe, bem longe,
mar e terra se chocam,
o marulho tranquilo
sobre a histérica quietude.
De longe, mais longe ainda,
o firmamento, qual zelo de mãe,
debruça-se sobre a terra e o mar
De longe, bem longe,
os beijos, os motores,
os assobios, os rangeres das portas,
o riso incontido,
o abraço exagerado,
o vento, o mar, a água,
o céu e o nada...
De perto, bem perto,
a água enche a caixa,
e o sussurro incontido
d’alguém.
De perto, mais perto ainda,
o rastejar das formigas
no vão dos azulejos.
De perto, bem perto
minha respiração, as formigas,
o sussurro, o zumbido,
o peso do sono, o piscar dos olhos...
De longe, bem longe,
de perto, bem perto,
a minha solidão.

18
Vivendo do passado
(sempre no gerúndio)
dos sonhos do passado
de já não tê-los
Vivendo do amargor
dos sonhos do passado
A noite é novamente calorosa
Agora luzes nas janelas vizinhas
Também a minha se rebela
na noite já dormente
talvez ao longe
dentro de binóculos voyeur
seja cômica a figura insone
sentada no braço do sofá
e debruçada sobre um caderno de espiral
Embora a figura não ria
e viva do amargor
dos sonhos do passado
Gostaria de ter novos sonhos
Mas o vazio parece carcomê-los
Talvez seja mais cômodo
descrever inúmeros “talvezes”
Parece que redescobri a liberdade
e voltou a assustar-me
Por que estou aqui e não lá?
Serei filho de um tempo
que a nada permite amar,
apegar-se, aspirar?
Não, nenhum tempo é meu pai
Sou eu o próprio pai
de um tempo que se esvai
por noites de janelas insones,
de murmúrios e conversas paralelas
e o medo de já nada temer.
Ah, o ruído dos motores
que vão ou voltam
para mim já não importa.

19

Essa dor recalcitrante
inquebrantável me persegue
trégua, e após um breve refocilar
pertranse meu peito aberto
Pensei que sendo mais um
dentre essa gente ignara
e distraída dos bazares de Jerusalém
pudesse ser uma partícula
desse corrupio gesticulante
e sem rosto
Mas essa dorzinha recalcitrante
insiste em lembrar-me...
lembrar-me...
lembrar-me...
Melhor seja esquecer.

20

Sonhos, melhor não tê-los,
já percebi, a vê-los
cair qual fruto inda verde
do pé arrancado por um vento
distraído e mal educado.

Do que se vive, então,
se são os sonhos prenhes,
fecundados por nossa esperança
que na manhã inda adormecida
nos despertam do bem merecido
descanso?

Infelizmente, essa pergunta
não ta posso responder.
Vive-se talvez do ar
que se inspira e expira
do alimento na fome,
da água na sede
do sim e do não.

Não é muito pouco isso tudo,
embora de pouco nada tenham
o ar, o alimento, a água, o sim e o não,
para quem não só do corpo vive,
mas também do espírito
e da razão?

Não sei se de algo servem
o espírito e a razão,
quando já nada lhes apetece
e a nada dão vazão.

Talvez algum dia,
antes do derradeiro suspiro,
algo desejem falar,
embora hoje prefiram calar.
Talvez aí, num senil intento,
num último alento,
resgatarás os sonhos que hoje
já não queres ter.

Talvez... mas talvez ainda,
com sorte ou quiçá sapiência,
também a mim derrube
um vento distraído e mal educado
sem mais delongas,
nem derradeiros momentos.

Sim, talvez, e então finalmente
o esquecimento, o vento e o pó
para sempre inumem
estes nossos noturnos colóquios
que já são horas de deitar-se!
Boa noite!

Ou não, mas em todo caso,
boa noite a ti também.

21

“Ó, lua bonita”
outra parte de ti
carcomida por esta sombra.
Mas voltas, gloriosa retornas
e mais loucos inspiras
Que mistérios encerras?
Encerras o mistério
de mistério nenhum encerrar.
Estás e és.
Sem luz própria, brilhas.
Sem mais súditos, reinas.

22

Pela primeira vez
o mundo parecia girar sob meus pés.
As pegadas que deixava
o vento apagava de um sopro.
E meu andar claudicante
denunciava meu pensar distante.
1 hora da manhã
o relógio marcava
Mas já não me lembrava
se estava certo ou
se estava quebrado.

23

É como se a minha voz estivesse rouca
e o grito sufocado se espalhasse por dentro
e rompesse os últimos cristais.

24

Enfim o reencontro
com o papel em branco
qual fosse um guardanapo
na penumbra de um bar
novamente o grito sufocado
escorre na tinta trêmula
e sinto ainda a mesma vergonha
quase me escondo
como um adolescente flagrado
Ah, tantas as coisas que desdenhei.

Os sonhos que deixei morrer
e hoje busco palavras raras
belas, e as velhas rimas
novamente como antes
e como antes ainda
e como será depois
e depois também!

25

Lá de longe,
de onde nos olha o pervertido voyeur
tanto faz o vazio
enorme que nos espreme
no canto da sala
um dia há em que nos abraçamos,
outro há que discutimos
e outro ainda que dançamos
e tudo isso numa janela
com pouco mais de 2 metros
pouco mais de mais nada...

26

Por quê? Que horas
que quando minguando
em lua nova
que jamais foi, será cheia
O quê? Que... como
Como penso o que penso
não posso nem querer
e se quiser, pouco dá
o que há? Não há
lógica aqui que se entenda
assim e assado
que um brado
quebrantado quebre
o achado que hoje
já não é... não será
minguará... na memória
do que não foi, não será.
Ou será? Não, nem dúvida me resta
nem o direito à dúvida,
que dúvida há ou haverá
de que foi apenas
e ainda assim
jamais foi ou será.

27

O prumo da minha letra
pesada e pisada...
A pequena insistência
da longa desistência
e um copo d’água
para amenizar o calor.

28

Que um raio de sol
parta a tua cabeça
pois raiva te guardo
quem quer que sejas
Amo ao próximo
mas se meu próximo
eu fosse, não me amaria
Tão triste, tão pouco
tão rouco o grito que sufoca
covarde, escreve, risca
e reescreve.
Mas a pouco se atreve
e há muito se esconde
sob o pouco que sabe
e o muito que lamenta.

29

Nada mais sou capaz de criar
nem sonhos, nem frases,
nem medos,
nem calos nos dedos
de outros tempos
quando a pena
entre eles se inquietava
e as penas
ainda me espantavam.
Convenci-me de que não há palavra
melhor que o silêncio
que a lágrima que não cai
que o grito que não sai
ah... o grito
aflito nasce e morre
na garganta
uma pedra áspera, flor espinhosa
entre os dedos apertados...
...e mesmo quando
num rompante insone
resolvo-me a calar
este silêncio ensurdecedor,
é com sarcasmo cruento
que me respondem
meus próprios olhos no espelho.

30

Já é o segundo mês
deste novo e já gasto ano
Parece que quanto mais são
mais rápido vêm e vão
e vão esguios pelo vão
do esquecimento...
que lento... que lento!
era o tempo
quando inda pretendia,
queria...
...esperava...
Mas qual? Louco está este
que fala do tempo
como que fala do vento!
Não ouve ele que lá,
embaixo, no térro
murmúrios, risos, gritos, alegria
festejam o aniversário
daquele ou deste?
Sim, é verdade, ouçam!
Ouçam todos e cada um
dos barulhos da vida média
que insistem em nos lembrar
do tempo que se esvai
que foi, que será...
e sempre tão discretos;
não se importam em serem ouvidos.
Que ouça quem puder!
(que sofra quem os ouvir)...

31

Pior, muito pior que querer
e não ter é já nada querer
Pois se há sol, há chuva
ou há vento
Se o que ouço é um riso
ou um lamento
pouco dá... vive-se por hábito
e qualquer intento
é um álibi para tentar insistir

32

As janelas dos prédios assomam-se
à noite
com suas sombras e olhos voyeur
grandes olhos que espiam e revelam
a vida que insiste em cortar
suas lâminas frias
e por vezes baças
com o orvalho da noite

Se ocultam a ira de Medéia
a ambição de Ícaro
a penitência de Sísifo
os medos daquele outro
Quem saberá?
Para os grandes olhos voyeur
restam somente os lares
felizes por trás do
fino orvalho da noite.

33 (.................)

A:
Olhe, Senhor, tudo que sei é muito pouco,
não li tantos livros como o senhor
mas posso lhe dizer que não é por isso que se morre, não.
A gente parece que não se cansa de desiludir-se,
é um tombo após ou outro e, ainda assim, juntamos força
para criar expectativas para vê-las cair novamente
qual frutos inda verde
do pé arrancados
por um vento mal-educado e distraído
Morre-se, então, como numa última desilusão.
O coração calejado pede arrego e já não quer desiludir-se.
Morre-se, enfim.

B:
Ora, bobagem¡ns! É científico!
Sabe-se bem que para o coração,
que já não mais bombeia o sangue.
Para o pulmão que já não circula o ar
e, por fim, o cérebro torpe finda suas atividades.

A:
Pois é, isso dizem...

B:
O senhor ainda se mostra hesitante
com uma fímbria de dúvidas,
não é?

A:
Já disse, tudo que sei é pouco
e quem pouco sabe não tem direito
de duvidar.

B:
Veja bem. O sangue é o que leva às células o oxigênio
e tudo que requerem para completar seu ciclo.
E é o coração que o bombeia para todos os órgãos.
Do mesmo modo, o pulmão é o que captura o ar
e distribui corretamente os gases.
E não esqueçamos o estômago, o fígado, os rins...

A:
Não discordo e nem poderia.
Mas, senhor, em qual desses órgãos
redidem os sorrisos de outrora,
os medos de agora, as lágrimas derramadas
e os sussurros deliciosos de amor.

34

É um tormento quieto
quase nada
como um zumbido constante
que as mãos ao ouvido impele
gesto inútil
Mas assim, quedo e relutante,
nem parece um tormento

35

Horda de reprodutores
reprodutores de palavras esbeltas
atléticas, trabalhadas arduamente,
na ponta da língua
e cuspidas com ostentação
Calai-vos e ouvi
o silêncio fecundo
Não podeis? Sorrides? Gesticulais?
Sempre tendes algo interessante
por dizer... que lástima...

36

Cada hora mal gasta
como um parafuso espanado
vou caminhando sem horizonte
Liberdade?
Perdido na verdade...
imaginando a tinta seca
do esquecimento
escrito e descrito
em bulas amareladas

37

A sombra opaca,
não, penumbra briosa
reluta e clama
não, conclama,
exorta

38 (da série Dom Quixote 2000)

Que gritarei quando for o momento?
Não sei. Exortarei-nos a lutar
a dar a vida se for preciso
Por quem? Para quê?
Ora, pela Revolução!
Pela igualdade
Pelos oprimidos...
sim, pelos oprimidos!
Não sóis máquinas...
Todo homem tem direito
de viver dignamente
e o que é viver dignamente?
Não sei exatamente
talvez seja poder morrer
dignamente...
é, morrer dignamente!
morrer aposentado
bem entrado em anos,
quando a vida já cansa...
e podemos olhar para trás
e que vemos mesmo?
Ah, sim, os sonhos do passado...
e quais eram eles?
Não lembro exatamente
Lembro-me de tão pouco
Lembro-me apenas que jamais sonhei
que seria o que sou
ah, os assuntos práticos
Enfim, olhar para trás
e... como disse mesmo
aquele poeta?
"Se pudesse viver outra vez
cometeria mais erros"
Merda, há tão pouco
do que não nos arrependemos...
Estou ficando frouxo!
Devo pensar na revolução!
Devemos endurecer!
Devemos ser duros com o inimigo.
A piedade, a clemência
é só para que por nós teve clemência
não enterrou seu garfo
no filé mignon tenro e suculento
Merda... merda...
Não sei o que direi
exatamente quando for a hora da vitória...

39

Meus olhos estão vendados
desde que vi que não eram tantas as cores
Esurdeci meus ouvidos
quando os son de meus passos,
as palavras e a respiração ofegante
se tornaram um só som
monótono e frio.
A voz calei ao ver
minhas próprias palavras,
de vidro, rompendo-se
entre ouvidos surdos
Meus pés me negam outro passo
e, contudo,
um grito estridulante insiste
em percorrer-me, empurrar
meus dentes semicerrados
flor espinhosa... insiste
empurra o sangue pelas veias
há muito secas
E hoje, pensei que meu grito ecoaria
resvalaria, pensei...
Mas não...
Silencioso como ontem,
incólume e inconteste
mudo e frenético
eloquente e lacônico
sorriso lento, ruga de expressão
lá vai como ontem
o grito natimorto...

40

Prepotentes como eu mesmo
concussões inermes
argumentos imberbes
tolhidos e colhidos
com júblio; sacrificai
vossa verdade,
pois a boca maior falará

41

Com pueril alegria
ouvimos aquelas palavras alvissareiras
A vida sibarita que há muito desejávamos
parecia tão próxima, tão palpável
assim seria...
Sem trabalhos herculianos
Uma verdadeira sinecura
Mas espreita sempre a bonança
a inclemente tempestade
devastadora e ruidosa
volta a calar as esperanças.
Já equânimes olhamos para frente
e prosseguimos
em passos incertos

42

êh, vidinha besta e sem graça, né,
compadre?
Pois é, e, no entanto, tanto
tememos perdê-la
É, compadre, é por hábito
por apego a esse cadinho
a migalhas...
Fazer o quê?

43

Censurado!

44

Olhe bem
Barba mal feita
cabelo despenteado
óculos tortos
A total falta de vaidade
a própria imagem do fracasso

Mas o que é exatamente
fracasso?

Exatamente não sei
mas parece que nada tem a ver
com sucesso (sic)
Tem mais a ver com...
a falta de apetites talvez
quando o mel e o fel
sabem iguais
e equânime olha-se o chão
que nos resta
Fracassa-se quando já não se quer
É o verdadeiro ocaso
de sua geração

Ocaso da geração?
Que diacho é isso?

Ah, isto creio saber.
É quando aos poucos
deixamos de ser o alvo
da publicidade da TV.

Ah...

45

Cancelado

2 comentários:

  1. Bah Javier, por esta eu não esperava! És um grande poeta! É interessante a presença constante de um "voyer" e o "grito". Dá o que pensar. Muito bom mesmo.

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  2. Eles trazem linguagem e visões originais, poderia dizer muito mais sobre o que me passaram, mas vou deixá-los funcionando em mim. Tri.

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