sexta-feira, 28 de maio de 2010

47 (impro)

Meu sorriso fará você sorrir
Minhas lágrimas farão você sorrir
Mas minhas palavras farão você chorar
Meu verbo se derrama triste
Meu olhar desbotado
desagua em mares já desbravados

quarta-feira, 12 de maio de 2010

46

Não é nada genial
o que vou dizer
é até por demais singelo
queria apenas parar o tempo
que os segundos
não mais escorressem
como as gotas
da chuva lenta que ouço agora
que as células não mais me ofendessem
e que a mão doce
de minha mulher
não mais parasse
de deslizar por minhas costas

sábado, 8 de maio de 2010

2000 - 2003 (piu meno)

A poetácia a seguir (17 – 41) foi escrita entre os anos 2000 e 2003, uma época bastante niilista de minha vida. Muitas das frases de então, hoje renego e recuso, pois as palavras não são apenas ar entre as cordas vocais ou traços mal paridos, moldam futuro. Renego! Mas lá estão, no caderno de espiral.

17
Ah, insuportável barulho do silêncio!
Outrora encantadora melodia.
Ao longe um assobio estridulante
(um chamado exasperado quiçá)
Um motor discreto ainda mais pra lá

Um zumbido contínuo
(como no ouvido de quem sempre ouve)
Mais ao longe, ainda, pequenas explosões.
De longe só ruídos.
De longe o som grave
da cidade robusta e cinza.
Mais de longe, o vento
se arrasta manhoso.
De longe, bem longe,
mar e terra se chocam,
o marulho tranquilo
sobre a histérica quietude.
De longe, mais longe ainda,
o firmamento, qual zelo de mãe,
debruça-se sobre a terra e o mar
De longe, bem longe,
os beijos, os motores,
os assobios, os rangeres das portas,
o riso incontido,
o abraço exagerado,
o vento, o mar, a água,
o céu e o nada...
De perto, bem perto,
a água enche a caixa,
e o sussurro incontido
d’alguém.
De perto, mais perto ainda,
o rastejar das formigas
no vão dos azulejos.
De perto, bem perto
minha respiração, as formigas,
o sussurro, o zumbido,
o peso do sono, o piscar dos olhos...
De longe, bem longe,
de perto, bem perto,
a minha solidão.

18
Vivendo do passado
(sempre no gerúndio)
dos sonhos do passado
de já não tê-los
Vivendo do amargor
dos sonhos do passado
A noite é novamente calorosa
Agora luzes nas janelas vizinhas
Também a minha se rebela
na noite já dormente
talvez ao longe
dentro de binóculos voyeur
seja cômica a figura insone
sentada no braço do sofá
e debruçada sobre um caderno de espiral
Embora a figura não ria
e viva do amargor
dos sonhos do passado
Gostaria de ter novos sonhos
Mas o vazio parece carcomê-los
Talvez seja mais cômodo
descrever inúmeros “talvezes”
Parece que redescobri a liberdade
e voltou a assustar-me
Por que estou aqui e não lá?
Serei filho de um tempo
que a nada permite amar,
apegar-se, aspirar?
Não, nenhum tempo é meu pai
Sou eu o próprio pai
de um tempo que se esvai
por noites de janelas insones,
de murmúrios e conversas paralelas
e o medo de já nada temer.
Ah, o ruído dos motores
que vão ou voltam
para mim já não importa.

19

Essa dor recalcitrante
inquebrantável me persegue
trégua, e após um breve refocilar
pertranse meu peito aberto
Pensei que sendo mais um
dentre essa gente ignara
e distraída dos bazares de Jerusalém
pudesse ser uma partícula
desse corrupio gesticulante
e sem rosto
Mas essa dorzinha recalcitrante
insiste em lembrar-me...
lembrar-me...
lembrar-me...
Melhor seja esquecer.

20

Sonhos, melhor não tê-los,
já percebi, a vê-los
cair qual fruto inda verde
do pé arrancado por um vento
distraído e mal educado.

Do que se vive, então,
se são os sonhos prenhes,
fecundados por nossa esperança
que na manhã inda adormecida
nos despertam do bem merecido
descanso?

Infelizmente, essa pergunta
não ta posso responder.
Vive-se talvez do ar
que se inspira e expira
do alimento na fome,
da água na sede
do sim e do não.

Não é muito pouco isso tudo,
embora de pouco nada tenham
o ar, o alimento, a água, o sim e o não,
para quem não só do corpo vive,
mas também do espírito
e da razão?

Não sei se de algo servem
o espírito e a razão,
quando já nada lhes apetece
e a nada dão vazão.

Talvez algum dia,
antes do derradeiro suspiro,
algo desejem falar,
embora hoje prefiram calar.
Talvez aí, num senil intento,
num último alento,
resgatarás os sonhos que hoje
já não queres ter.

Talvez... mas talvez ainda,
com sorte ou quiçá sapiência,
também a mim derrube
um vento distraído e mal educado
sem mais delongas,
nem derradeiros momentos.

Sim, talvez, e então finalmente
o esquecimento, o vento e o pó
para sempre inumem
estes nossos noturnos colóquios
que já são horas de deitar-se!
Boa noite!

Ou não, mas em todo caso,
boa noite a ti também.

21

“Ó, lua bonita”
outra parte de ti
carcomida por esta sombra.
Mas voltas, gloriosa retornas
e mais loucos inspiras
Que mistérios encerras?
Encerras o mistério
de mistério nenhum encerrar.
Estás e és.
Sem luz própria, brilhas.
Sem mais súditos, reinas.

22

Pela primeira vez
o mundo parecia girar sob meus pés.
As pegadas que deixava
o vento apagava de um sopro.
E meu andar claudicante
denunciava meu pensar distante.
1 hora da manhã
o relógio marcava
Mas já não me lembrava
se estava certo ou
se estava quebrado.

23

É como se a minha voz estivesse rouca
e o grito sufocado se espalhasse por dentro
e rompesse os últimos cristais.

24

Enfim o reencontro
com o papel em branco
qual fosse um guardanapo
na penumbra de um bar
novamente o grito sufocado
escorre na tinta trêmula
e sinto ainda a mesma vergonha
quase me escondo
como um adolescente flagrado
Ah, tantas as coisas que desdenhei.

Os sonhos que deixei morrer
e hoje busco palavras raras
belas, e as velhas rimas
novamente como antes
e como antes ainda
e como será depois
e depois também!

25

Lá de longe,
de onde nos olha o pervertido voyeur
tanto faz o vazio
enorme que nos espreme
no canto da sala
um dia há em que nos abraçamos,
outro há que discutimos
e outro ainda que dançamos
e tudo isso numa janela
com pouco mais de 2 metros
pouco mais de mais nada...

26

Por quê? Que horas
que quando minguando
em lua nova
que jamais foi, será cheia
O quê? Que... como
Como penso o que penso
não posso nem querer
e se quiser, pouco dá
o que há? Não há
lógica aqui que se entenda
assim e assado
que um brado
quebrantado quebre
o achado que hoje
já não é... não será
minguará... na memória
do que não foi, não será.
Ou será? Não, nem dúvida me resta
nem o direito à dúvida,
que dúvida há ou haverá
de que foi apenas
e ainda assim
jamais foi ou será.

27

O prumo da minha letra
pesada e pisada...
A pequena insistência
da longa desistência
e um copo d’água
para amenizar o calor.

28

Que um raio de sol
parta a tua cabeça
pois raiva te guardo
quem quer que sejas
Amo ao próximo
mas se meu próximo
eu fosse, não me amaria
Tão triste, tão pouco
tão rouco o grito que sufoca
covarde, escreve, risca
e reescreve.
Mas a pouco se atreve
e há muito se esconde
sob o pouco que sabe
e o muito que lamenta.

29

Nada mais sou capaz de criar
nem sonhos, nem frases,
nem medos,
nem calos nos dedos
de outros tempos
quando a pena
entre eles se inquietava
e as penas
ainda me espantavam.
Convenci-me de que não há palavra
melhor que o silêncio
que a lágrima que não cai
que o grito que não sai
ah... o grito
aflito nasce e morre
na garganta
uma pedra áspera, flor espinhosa
entre os dedos apertados...
...e mesmo quando
num rompante insone
resolvo-me a calar
este silêncio ensurdecedor,
é com sarcasmo cruento
que me respondem
meus próprios olhos no espelho.

30

Já é o segundo mês
deste novo e já gasto ano
Parece que quanto mais são
mais rápido vêm e vão
e vão esguios pelo vão
do esquecimento...
que lento... que lento!
era o tempo
quando inda pretendia,
queria...
...esperava...
Mas qual? Louco está este
que fala do tempo
como que fala do vento!
Não ouve ele que lá,
embaixo, no térro
murmúrios, risos, gritos, alegria
festejam o aniversário
daquele ou deste?
Sim, é verdade, ouçam!
Ouçam todos e cada um
dos barulhos da vida média
que insistem em nos lembrar
do tempo que se esvai
que foi, que será...
e sempre tão discretos;
não se importam em serem ouvidos.
Que ouça quem puder!
(que sofra quem os ouvir)...

31

Pior, muito pior que querer
e não ter é já nada querer
Pois se há sol, há chuva
ou há vento
Se o que ouço é um riso
ou um lamento
pouco dá... vive-se por hábito
e qualquer intento
é um álibi para tentar insistir

32

As janelas dos prédios assomam-se
à noite
com suas sombras e olhos voyeur
grandes olhos que espiam e revelam
a vida que insiste em cortar
suas lâminas frias
e por vezes baças
com o orvalho da noite

Se ocultam a ira de Medéia
a ambição de Ícaro
a penitência de Sísifo
os medos daquele outro
Quem saberá?
Para os grandes olhos voyeur
restam somente os lares
felizes por trás do
fino orvalho da noite.

33 (.................)

A:
Olhe, Senhor, tudo que sei é muito pouco,
não li tantos livros como o senhor
mas posso lhe dizer que não é por isso que se morre, não.
A gente parece que não se cansa de desiludir-se,
é um tombo após ou outro e, ainda assim, juntamos força
para criar expectativas para vê-las cair novamente
qual frutos inda verde
do pé arrancados
por um vento mal-educado e distraído
Morre-se, então, como numa última desilusão.
O coração calejado pede arrego e já não quer desiludir-se.
Morre-se, enfim.

B:
Ora, bobagem¡ns! É científico!
Sabe-se bem que para o coração,
que já não mais bombeia o sangue.
Para o pulmão que já não circula o ar
e, por fim, o cérebro torpe finda suas atividades.

A:
Pois é, isso dizem...

B:
O senhor ainda se mostra hesitante
com uma fímbria de dúvidas,
não é?

A:
Já disse, tudo que sei é pouco
e quem pouco sabe não tem direito
de duvidar.

B:
Veja bem. O sangue é o que leva às células o oxigênio
e tudo que requerem para completar seu ciclo.
E é o coração que o bombeia para todos os órgãos.
Do mesmo modo, o pulmão é o que captura o ar
e distribui corretamente os gases.
E não esqueçamos o estômago, o fígado, os rins...

A:
Não discordo e nem poderia.
Mas, senhor, em qual desses órgãos
redidem os sorrisos de outrora,
os medos de agora, as lágrimas derramadas
e os sussurros deliciosos de amor.

34

É um tormento quieto
quase nada
como um zumbido constante
que as mãos ao ouvido impele
gesto inútil
Mas assim, quedo e relutante,
nem parece um tormento

35

Horda de reprodutores
reprodutores de palavras esbeltas
atléticas, trabalhadas arduamente,
na ponta da língua
e cuspidas com ostentação
Calai-vos e ouvi
o silêncio fecundo
Não podeis? Sorrides? Gesticulais?
Sempre tendes algo interessante
por dizer... que lástima...

36

Cada hora mal gasta
como um parafuso espanado
vou caminhando sem horizonte
Liberdade?
Perdido na verdade...
imaginando a tinta seca
do esquecimento
escrito e descrito
em bulas amareladas

37

A sombra opaca,
não, penumbra briosa
reluta e clama
não, conclama,
exorta

38 (da série Dom Quixote 2000)

Que gritarei quando for o momento?
Não sei. Exortarei-nos a lutar
a dar a vida se for preciso
Por quem? Para quê?
Ora, pela Revolução!
Pela igualdade
Pelos oprimidos...
sim, pelos oprimidos!
Não sóis máquinas...
Todo homem tem direito
de viver dignamente
e o que é viver dignamente?
Não sei exatamente
talvez seja poder morrer
dignamente...
é, morrer dignamente!
morrer aposentado
bem entrado em anos,
quando a vida já cansa...
e podemos olhar para trás
e que vemos mesmo?
Ah, sim, os sonhos do passado...
e quais eram eles?
Não lembro exatamente
Lembro-me de tão pouco
Lembro-me apenas que jamais sonhei
que seria o que sou
ah, os assuntos práticos
Enfim, olhar para trás
e... como disse mesmo
aquele poeta?
"Se pudesse viver outra vez
cometeria mais erros"
Merda, há tão pouco
do que não nos arrependemos...
Estou ficando frouxo!
Devo pensar na revolução!
Devemos endurecer!
Devemos ser duros com o inimigo.
A piedade, a clemência
é só para que por nós teve clemência
não enterrou seu garfo
no filé mignon tenro e suculento
Merda... merda...
Não sei o que direi
exatamente quando for a hora da vitória...

39

Meus olhos estão vendados
desde que vi que não eram tantas as cores
Esurdeci meus ouvidos
quando os son de meus passos,
as palavras e a respiração ofegante
se tornaram um só som
monótono e frio.
A voz calei ao ver
minhas próprias palavras,
de vidro, rompendo-se
entre ouvidos surdos
Meus pés me negam outro passo
e, contudo,
um grito estridulante insiste
em percorrer-me, empurrar
meus dentes semicerrados
flor espinhosa... insiste
empurra o sangue pelas veias
há muito secas
E hoje, pensei que meu grito ecoaria
resvalaria, pensei...
Mas não...
Silencioso como ontem,
incólume e inconteste
mudo e frenético
eloquente e lacônico
sorriso lento, ruga de expressão
lá vai como ontem
o grito natimorto...

40

Prepotentes como eu mesmo
concussões inermes
argumentos imberbes
tolhidos e colhidos
com júblio; sacrificai
vossa verdade,
pois a boca maior falará

41

Com pueril alegria
ouvimos aquelas palavras alvissareiras
A vida sibarita que há muito desejávamos
parecia tão próxima, tão palpável
assim seria...
Sem trabalhos herculianos
Uma verdadeira sinecura
Mas espreita sempre a bonança
a inclemente tempestade
devastadora e ruidosa
volta a calar as esperanças.
Já equânimes olhamos para frente
e prosseguimos
em passos incertos

42

êh, vidinha besta e sem graça, né,
compadre?
Pois é, e, no entanto, tanto
tememos perdê-la
É, compadre, é por hábito
por apego a esse cadinho
a migalhas...
Fazer o quê?

43

Censurado!

44

Olhe bem
Barba mal feita
cabelo despenteado
óculos tortos
A total falta de vaidade
a própria imagem do fracasso

Mas o que é exatamente
fracasso?

Exatamente não sei
mas parece que nada tem a ver
com sucesso (sic)
Tem mais a ver com...
a falta de apetites talvez
quando o mel e o fel
sabem iguais
e equânime olha-se o chão
que nos resta
Fracassa-se quando já não se quer
É o verdadeiro ocaso
de sua geração

Ocaso da geração?
Que diacho é isso?

Ah, isto creio saber.
É quando aos poucos
deixamos de ser o alvo
da publicidade da TV.

Ah...

45

Cancelado

sexta-feira, 7 de maio de 2010

16

A dor ao longe
confunde-se com um sorriso demorado
e de minha janela voyeur
não sei se brigam ou se amam

15

Com um olho bom
e o outro coberto por um tapa-olho...
Com sua léria infalível
deixava as moças donzelas
com o coração premido
e fazia fremir
seu mais destemido inimigo
Em seu mundo, porém,
ouvia-se apenas o ranger
de seus dentes
e a respiração arrastada
de sua eterna vigília

14

Por que sempre tu?
Pensei, livrar-me-ia de ti.
Um dia de sol, uma noite quente
Uma vida regrada
Um lapso de normalidade
Mas sempre... sempre tu
Ao meu lado
E qual lágrima maiúscula
Prenuncias outro verso
Apertas-me o peito
Me fazes pequeno
E me obrigas a pousar
Meus olhos e meu verbo
Sobre ti.
Maldição! Vou-me,
Mas bem sabes que volto.

13

Os deliciosos lares
De telhas mofadas
Sob tetos, homens
Por cima formigueiros
Meu Deus, que criamos?
Meu Deus que criamos!
A neblina que cobre
Os telhados mofados
Avisa eloquente
Que ainda somos a parte
E não o todo
E à parte, sonham
De lá de cima,
Daquela janela, olham...
Enternecidos olhos grandes

12 (de 1999 acho)

Incoerências do pó
Varrido num sopro veloz
Amontoado de osso e carne
E um pingo de razão
Sem razão de ser

11 (de 1999 acho)

A inquietude n’alma
Minha mão insone
A falta de inspiração
Talvez não faça história
Talvez seja mesmo
Mais um diário medíocre
Nada sei de redondilhas
Não gosto de rimas
Talvez não seja poesia
Talvez não seja vanguarda
Mas a alma...
Como flâmula ao vento
Como um dia ao léu
Embalde agita-se
Nada sei de poesia
Mas conheço de infância
O inclemente vazio

sábado, 1 de maio de 2010

10

Quero falar da liberdade
Do grito ensurdecido
Do homem absurdo
E do passo apressado
Do homem do cotidiano
Como questões tão mundanas podem...
Não, não conclua!
Ser vil, servil
E tão arrogante
Volta ao silêncio, enfim.

9

Falarei hoje com franqueza
Sem lirismo nem cinismo

Ficaria bem se assim terminasse
Mas é inútil relutar
Da bin Ich!
Tento ser metódico
Quase um profissional
Definir as premissas e trabalhar.
Mas, de fato, disse que seria franco
Nada tinha a acrescentar
Admito minha insignificância
Renuncio à arrogância
Sou o ator que não atua
O escritor que não escreve
O criador que repudia a criação
E não se trata de figuras de linguagem
Disse que falaria com franqueza
E da bin Ich!
“Cego, surdo e, ainda por cima, imbecil”
(Agora, também plagiador,
Mas nada mais nobre
Que plagiar a dor)
Pergunto-me
Poderia ser mais útil?
Quiçá se fosse Sabin
Poderia orgulhar-me da...
Ou da penicilina...
E mesmo assim...
Da bin Ich!
Em uma das maiores cidades
Da América Latina, do mundo!
Orgulhoso até de sua poluição
Mais próximo do lugar
“Onde tudo acontece”
Tenho certeza de que será aqui
Ou será Nova York?
Ou Paris???
Bem, eu disse que falaria
Com franqueza
Sem lirismo, nem cinismo
Não me culpem
Por esta obra escatológica
Cansara-me e abandonara
Mas os senhores estavam advertidos
Para que não me condenem, no entanto,
Por mau uso das noites mal dormidas
Deixo-lhes aqui um pequeno versinho:
O mel e o fel sabem igual depois do tempo
É embalde que lutemos
E, qual fonte perene,
Sangue quente jorremos...

(...hum, acho que já ouvi isso antes)

8

A pomba caga em teu cabelo,
Escatológico infortúnio,
Um lenço de papel e já está...
Mas não ficarás impune
À sorte que te toca
Raro mal te acomete
Raro mas real
O crânio infectado aperta
O cérebro que retumba
Como surdos no carnaval
A morte será certa
Pois que venha, já tarda
Mais parece chiste, ride
Não sóis vós que padeceis
É o rosto estatístico
De um passo cansado,
Mas contínuo
É a cabeça cagada por
Uma pomba desvairada
Mas que sei eu dos desvarios
Da pomba se mal posso
Com os que me acometem
Imagina só! Perdão, imaginai!
Pretender-se poeta
E sujar de bosta de pomba
Linhas mal criadas
Não percebeis a ira dos críticos?
Que diriam as infinitas gerações
De poetas, trovadores,
Declamadores que com tanto esmero
“bordaram em letras graúdas
Seu nome neste lenço ao vento,
A bendita história"?
Que dirão os vindouros?
Que diria Shakespeare?
Asseio, homem, asseio!
Tome tenência e limpe
As linhas que ainda te restam.
Há tanto “per dire”
Das flores, dos amores,
Dos odores, das dores, até!
Mas com moderação, homem,
Não volta a exagerar
Sobre as dores
Esqueça a escatologia
A fisiologia, até mesmo a filologia.
Há tanto mais!
Basta um pouco de moderação,
Temência, tenência, demência...
Não, perdão, peidão...
Não! Perdoai-me!
Mesclam-se-me as ideias
Penso no “gélido abandono do ser”
E no onanismo do meu próprio ser!
O asseio confunde-se
Com a revolta calada
Do amante do absurdo...
Turvo! Rubicundo de vergonha!
Mas parece que o crânio
Já me espreme o cérebro,
o sono tripudia de meus versos
e a bosta da pomba
impõe-se sobre todos os nossos
elevados, quase divinos, ideais...

7

Aonde você vai?
Vou à sala fazer algo inútil
Volto já
O que você vai fazer?
Escrever alguns versos
Ah, escreve aqui no quarto mesmo
Não, prefiro a sala agora
Está bem...
Que insensato, não sabe, acaso,
Que uma hora dormida
Vale mais que metros de literatura?
Ah, o sono tranquilo
Não conhece, acaso, a boa digestão
E logo o sono dos justos?
Sempre a vigília febril e flatulenta
Opulenta em delírios
Por que sempre procura
Os valores mais elevados do espírito?
Não vê que de tão elevados
São inalcançáveis?
O corpo, plúmbeo e ainda viril,
As vontades da carne
A concupiscência!
As vontades cotidianas
Tudo isso, enfim
Soterra os pés...
E as mãos, erguidas em vão,
Nada detêm.
Basta com os sonhos de ontem!
Nem lembra quais são.
Mas sempre lhe resta
O idílio do passado
Quando o mel e o fel
Sabiam iguais.

6

Uma plateia tomada de bonecos
Espera ansiosa por palavras sóbrias
Engraçado, só há silêncio...
Tenho medo de pronunciar
Qualquer coisa
Temo os bonecos, já bocejam
Mas a mim falta o ar,
Falta ao ar um motivo
Para insistir.

ah, era 4, este é o 5

Disse-lhe que me sentia bem.
Menti!
Tinha uma artéria obstruída.
Aquela que conduz o oxigênio
Dos pulmões à alma.

4 ou 5

Quiçá um brado ao final
E alguém chame isto de triunfo
Erga ensandecido uma espada,
Na falta desta um punhal
E o deixe cair certeiro
Sobre a cabeça de meu pior inimigo.
Sangra cobarde,
Sangra até o fim!
Que fim... levou Guevara?
Estampa de camiseta.
Ah, é. Prossiga...
Não me lembro.
O quê?
O que dizia...
Algo sobre sangrar até o fim
Era?
Creio que sim.
De qualquer maneira, não importa.
Nunca importou...
Era só uma biografia.

3

Tem dia que é noite
Tem noite que reluta em amanhecer
Sob seu manto escuro e plúmbeo
Ocultam-se lágrimas secas e insones
Um vento lento de lamentos
Espalha os ares dos áridos desejos
À gélida espera de um ardente recomeço
Ah, amanheceu, triste desfecho.

versos inaugurais de um caderno azul

Ah, quisera ter bons motivos
Para escrever sobre ti,
Não sabes quanto lamento,
E peço perdão, por macular-te assim
Dentre as tantas sortes do mundo
Toca-te esta.
Poderias ser um caderno escolar,
Pleno de verdades, prolixamente ditadas
(aqui há tão poucas...)
Quiçá, ainda, um caderno de notas
De contabilidade
Com suas contas precisas e preciosas
(aqui contaremos apenas os segundos
risonhos que me abandonam)
É por tudo isso,
E pelo que ainda conhecerás,
Que me envergonho de ti
E escrevo este poema no escuro...
Perdão...

2

A vida toda desconhecemos a felicidade,
Por vê-la além de nossas dores e reticências...
Quão bela pode ser a lua, se o limite é meu olhar?
Perguntava-me, tolo...
O meu olhar, porém, é o próprio luar

1

Às vezes, na vida,
O mundo não é mais que um colo
E um par de olhos arregalados
A espera ansiosa, e o medo espantoso
O número chama, qualquer um será, 875
E os passos levam apressados à frente
Mas o corpo quer voltar
Ao cálido colo